terça-feira, 4 de maio de 2010

O Estado que divide o PT e o PSDB

Cristian Klein

A grave crise financeira mundial de 2008, gerada por uma economia globalizada e desregulada, representou um golpe para os defensores do mercado livre e do Estado mínimo. Na mesma medida, os efeitos da crise foram os de reforçar as teses mais intervencionistas, do Estado provedor. Sem o baque na economia, a popularidade do presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, não teria despencado tanto, devido aos níveis de desemprego. Por outro lado, é possível imaginar que, sem a crise, Obama dificilmente teria aprovado a histórica reforma do sistema de saúde. O vendaval de uma economia perigosa favoreceu o clima em direção a um modelo de proteção social, de pouca tradição nos Estados Unidos. É um movimento semelhante ao descrito em A grande transformação (1944), por Karl Polanyi, que observou na conquista de direitos sociais em torno de um precursor welfare state uma resposta da sociedade para se proteger do mundo sem leis da economia liberal do século 19.
A disjuntiva Estado mínimo versus Estado forte é um corte que costuma separar, nitidamente, as legendas de maior conteúdo programático. Há quem defenda que a questão é estéril e pouco importaria o tamanho do Estado, se grande ou pequeno, mas sim sua eficiência e a quem ele está a servir. Mas o fato é que estes modelos são por demais representativos e permeados da ideologia necessária à diferenciação das agremiações políticas. Partidos de esquerda são a favor da extensão dos poderes do Estado (como indutor de desenvolvimento, redutor de desigualdades, servidor da sociedade). Partidos de direita preferem a mínima intervenção e esperam do Estado o exercício de atividades básicas (garantia da lei e da ordem, dos princípios da meritocracia e da livre iniciativa). O Estado é visto como uma esperança pela esquerda (pela possibilidade de atender a seu valor fundamental, a igualdade) e uma ameaça pela direita (pela capacidade de deprimir o valor mais caro a seu ideário, a liberdade).
A função do Estado – que papéis ele deve exercer e como – é um dos pontos mais fundamentais em qualquer campanha política presidencial. Mesmo com a disputa ainda esquentando, Dilma Rousseff e José Serra já falaram bastante sobre o tema. É um assunto que ilustra bem o que foi tratado na coluna de ontem, sobre como o eleitor vota e sua capacidade de fazer boas escolhas. O cidadão comum não precisa ter plena informação. Age no sistema político como um motorista no trânsito, seguindo atalhos, sinalização. Partidos, quando dotados de consistência programática e/ou ideológica, são capazes de resumir uma série de detalhes, complexidades que o cidadão não tem tempo, dinheiro, interesse para decifrar. Os partidos reduzem (ou pelo menos deveriam reduzir) os custos de informação, oferecendo pistas, dicas satisfatórias para o eleitor tomar a sua decisão e distinguir as políticas públicas que lhe são oferecidas.
No segundo turno da eleição de 2006, o tema da privatização foi a sinalização, a pista utilizada pelo PT para se diferenciar do PSDB. O assunto era previsível, mas pegou de surpresa a campanha de Geraldo Alckmin, que não soube responder à altura e acusou o golpe, diante do tom acusatório dos petistas. Até hoje, a pecha de privatista é um trauma que acompanha os tucanos. Com este issue, o PT empurrou o PSDB, nascido como centro-esquerda, para a direita, uma posição incômoda no Brasil, onde até os mais direitistas rejeitam ser chamados como tal.
Foi um estrago à imagem do PSDB, que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso tenta agora consertar – com pouca possibilidade de êxito. Em seu último artigo, Construir sem demagogia, publicado no fim de semana, FHC sai em defesa da privatização, mas sem a mesma contundência da última vez. Afirma que de todas as heranças de seu governo, que os petistas criticavam e depois preservaram, o legado da privatização é um dos poucos que o PT não mexeu mas continua a bater, impingindo nos tucanos a má fama. “Por que, então, não deixar de lado a ideologia e o uso da pecha de neoliberal para desqualificar os avanços obtidos dos quais é usufruidor?”, pergunta FHC. Ora, porque é uma questão de honra, uma pista sobre as diferentes visões de Estado dos partidos e, mais importante, que já se mostrou eleitoralmente potente.

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